Com
disputas programadas para o início da madrugada, a Olimpíada de 2016 obriga os
especialistas em fisiologia de alto rendimento a reinventar a rotina dos
atletas
Foto FORA DO RIO - Será quase como nadar em um fuso
horário de outro país”, diz Cesar Cielo(Ivo Gonzales/Getty Images)
A
Olimpíada de 2016, no Rio, terá um ineditismo - dezenas de provas decisivas
serão realizadas no início da madrugada, entre elas finais de natação, vôlei de
quadra e de praia. O horário atípico foi estabelecido para atender às
exigências das emissoras de televisão dos Estados Unidos detentoras dos
direitos de transmissão do evento. O objetivo nada dissimulado é fazer com que
os telespectadores americanos possam assistir ao vivo às competições, em um
horário ao redor de 10 da noite, nunca muito mais tarde. Como a Olimpíada, além
de um espetacular show de esportes, é uma festa de imagens e também de dinheiro
pago pela TV, a decisão é irrecorrível. Ela trará desconforto não só para os
brasileiros nas arquibancadas, dado o horário avançado, mas também - e
sobretudo - para os atletas, habituados a uma rotina vespertina de treinos e
preparação.
Numa
modalidade em particular, a natação, há preocupação. Os nadadores de excelência
não estão acostumados ao ritmo noturno. Nas grandes competições, entram na água
nas etapas eliminatórias pela manhã e disputam as finais no máximo até 21
horas. No Rio, já será outro dia e eles ainda estarão brigando pelo pódio. Diz
Ricardo de Moura, superintendente da Confederação Brasileira de Desportos
Aquáticos: "O atleta não está preparado fisiologicamente para ter bons
resultados no período da noite". Trata-se, agora, de trocar literalmente o
dia pela noite, sem perder os milésimos de segundo que separam um campeão
olímpico de um coadjuvante.
Em uma
rotina normal, os nadadores costumam dormir por volta das 10 horas da noite e
acordar às 6 da manhã. Na Rio 2016, eles dificilmente irão para a cama antes
das 3 horas da manhã, considerando os compromissos depois dos jogos - testes
antidoping, tempo para alimentação e para chegar à Vila Olímpica. Para Cesar
Cielo, campeão olímpico dos 50 metros livres em 2008, recordista mundial dos 50
e dos 100 metros livres, "será quase como nadar em um fuso horário de
outro país". Thiago Pereira, prata nos 400 medley na Olimpíada de 2012,
também se assusta. "Nunca passei por isso."
E como
passar? As primeiras medidas para adaptar o organismo dos atletas à mudança
drástica começam a ser desenhadas. A principal busca é a alteração da síntese
do hormônio do sono, a melatonina. Produzido à noite, o composto é a chave do
relógio biológico. De forma a modificar a fabricação do hormônio, os atletas
deverão usar, por exemplo, óculos escuros e dormir em quartos com janelas
vedadas. As resoluções, no entanto, são paliativas. "Será muito difícil
melhorar ou manter o desempenho igual ao obtido durante o dia", diz Marco
Tulio de Mello, especialista do sono do Comitê Olímpico Brasileiro. "Mas,
como todo bom atleta olímpico é um espetáculo de superação e motivação, é certo
que nos surpreenderemos."
A
influência do sono (e a falta dele) no desempenho do esportista é hoje um dos
temas mais recorrentes na ciência do esporte. "Sabemos que o relógio
biológico é chave fundamental para as vitórias", diz Jorge Bichara,
gerente de performance esportiva do Comitê Olímpico Brasileiro. No caso
específico da natação, estudos mostram que o melhor horário para competir é das
5 horas da tarde às 8 horas da noite. É um momento em que o relógio biológico
está afiado para esse tipo de esporte, que exige concentração nas largadas,
explosão nas provas de velocidade e resistência nas mais longas, no auge do
estado de alerta e eficiência cardiovascular.
Uma
noite de sono reparadora é responsável pela síntese de hormônios essenciais ao
rendimento. Nas fases mais profundas do sono, o cérebro trabalha para processar
novas memórias, consolidá-las e conseguir armazená-las em longo prazo. É assim
que os movimentos aprendidos durante o dia são fixados. À noite, durante o
sono, o organismo também libera a produção do hormônio do crescimento GH e do
hormônio masculino testosterona, ambos envolvidos na reparação e no ganho
muscular, na densidade dos ossos e no vigor. O papel de uma noite bem-dormida
no desempenho do atleta já foi calculado com exatidão. Estudos recentes
conduzidos pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, comprovaram:
nadadores que dormem bem, no horário correto, têm um tiro de largada 17% mais
preciso em relação aos que têm o sono alterado. No basquete, a eficácia nos
lances livres é 9% superior entre os bem-dormidos. O bocejo pode subtrair
medalhas em 2016.
Fonte VEJA
ABRIL http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/bocejou-perdeu
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