Sunday, January 31, 2016

UMA ESTRELA EM ASCENSÃO RUMO AOS JOGOS DO RIO 2016



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As férias do verão de 1994 tiveram um significado especial para o casal George e Ana Patrícia Cunha. Além de curtir as belezas das praias próximas a Salvador, eles acabaram descobrindo, mesmo a contragosto, a vocação da filha Ana Marcela, então com pouco mais de 1 ano de idade. Para desespero dos pais, a bebê insistia em romper as barreiras da pequena piscina plástica que a mãe colocara perto do guarda-sol. Era óbvio que a criança queria engatinhar até o mar. Por mais que fosse contida, fazia tudo de novo. Passados 22 anos, Ana Marcela Cunha tem agora o caminho livre pela frente. Dona de impressionantes 16 pódios consecutivos na maratona aquática, feito inédito na modalidade, Ana Marcela é a maior candidata ao ouro em sua prova. E uma estrela em ascensão da natação brasileira.
A trajetória que começou com George e Ana Patrícia matriculando a filha em uma escolinha de natação, quando a menina tinha 1 ano e 9 meses, tem tudo para terminar de forma triunfante nas águas geladas de Copacabana, em agosto. Pela primeira vez, a maratona aquática em Olimpíadas será disputada em mar aberto. Os números reforçam o favoritismo de Ana Marcela. Além dos 16 pódios seguidos, a atleta vem cumprindo um ciclo olímpico excepcional: cinco medalhas em campeonatos mundiais (na distância olímpica de 10 km, foram uma prata em 2013 e um bronze em 2015), além do título da Copa do Mundo de 10 km em 2014. Nessa competição, chegou ao pódio em todas as etapas, algo jamais alcançado na história do torneio. “Já me imaginei subindo ao pódio na Olimpíada, é claro”, diz Ana Marcela, logo emendando uma ressalva. “Mas, depois de 2011, nunca mais vou ficar pensando em uma coisa antes de ter conquistado.”

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Ela pode se tornar a primeira nadadora brasileira a conquistar uma medalha Olímpica
A atleta recorda um dos episódios mais traumáticos da carreira. No Mundial de Xangai (China), em 2011, ela ficou em 11º lugar na prova dos 10 km, a somente quatro segundos de distância da espanhola Erika Garcia, que terminou em 10º lugar e ficou com a última vaga para a Olimpíada de Londres-2012. “Falo bastante sobre isso com minha psicóloga, que tudo de ruim tem sempre uma coisa boa para aprender”, diz. Para Ana Marcela, foi horrível não ter conquistado a vaga olímpica, mas ela aprendeu que não precisava mais fazer tudo sempre igual. “Encarei pelo lado bom, não entrei em depressão. Fui do inferno ao céu”, diz a baiana, que se recuperou na mesma competição. Dois dias depois, participou da prova dos 5 km e terminou em sétimo lugar. Ainda restava um desafio: a disputa dos 25 km, inédita para ela. Vinte e quatro horas antes da prova, Tatiana Lemos e Flavia Delaroli, nadadoras da seleção brasileira, perguntaram por que Ana pretendia nadar aquela distância. “Eu disse que queria sentir a dor daqueles 25 quilômetros. E terminei sendo campeã mundial”, relata. “Foi lá que me transformei de uma atleta de nível médio na competidora que sou hoje.”
A mistura de emoções acabou tendo papel importante no amadurecimento de Ana Marcela Cunha. Isso foi notado com especial atenção pelo treinador Marcio Latuf, com quem a atleta voltou a trabalhar no final de 2015, quando foi recontratada pela Unisanta (Santos), após duas temporadas no Sesi-SP. “Em 2011, ela não teve a paciência necessária, mas hoje carrega mais dois anos e meio de experiência”, diz. “Uma prova de maratona aquática não se define nas primeiras voltas, mas sim nos últimos mil metros.” Para os atletas, significa que é preciso ter estratégia bem definida, muita paciência e condição física impecável. Ana Marcela trabalha com Latuf desde que chegou ao clube santista pela primeira vez, em 2007, quando tinha somente 14 anos. Sob a orientação do técnico, conseguiu uma inesperada classificação para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, com apenas 16 anos. “Ela tem uma cabeça muito boa, adora treinar e já mostrava grande evolução, mesmo sendo muito nova”, diz Latuf. Na maratona aquática, isso é algo incomum, já que os atletas começam a brilhar a partir de 27 ou 28 anos.

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Cabelo moicano, tatuagens pelo corpo, crucifixo no pescoço: a força também está no visual
A força mental de Ana Marcela Cunha pode ser uma das principais armas na busca por medalha nos Jogos do Rio. É o que pensa Alexandre Pussieldi, técnico de natação e atual comentarista do canal SporTV. “Ana Marcela é muito competitiva, muito mesmo”, diz. Para ele, as condições em que deverão ocorrer as provas da maratona aquática nos Jogos do Rio irão favorecer os atletas brasileiros (também estão classificados Poliana Okimoto e Allan do Carmo). “Ela gosta de águas agitadas, mar revolto. Ou seja, Copacabana vai ser perfeito.” Marcio Latuf pensa da mesma maneira. “Ela está acostumada a nadar com temperatura da água em 18 graus”, afirma. “Já as atletas europeias não costumam nadar em mar gelado. Ela subirá ao pódio, tenho certeza disso.”
A amigável relação com a água fez com que a baiana começasse a encarar as competições no mar quando ainda era criança. Na Bahia, existe uma tradição, mesmo na categoria mirim, de disputar provas em águas abertas. Ana Marcela conta que, antes das competições dos adultos, sempre colocavam a garotada para fazer provas pequenas, de 400 metros, 800 metros e 2 km no mar. “Sempre participei dessas provas, foi uma coisa natural”, diz. Corriqueiro, mas não livre de sustos. Certa vez, em uma competição de 2 km, George e Ana Patrícia tiraram os olhos da filha por um instante. Foi o suficiente para ela sumir. “Fiquei desesperada, ela só tinha 10 anos”, diz a mãe. “Só que a Ana estava lá na frente, nadando tranquilamente.”

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O talento precoce fez com que Ana Marcela Cunha chegasse cedo à seleção brasileira de maratona aquática. No final de 2005, foi convocada para disputar o Campeonato Sul-Americano e ganhou as provas de 5 km e 10 km. “Foi ali que vi que era aquilo que eu queria fazer na vida”, diz a nadadora. Até então, ela dividia o tempo também com as competições na piscina, em provas de longa distância. “Eu nadava os 800 metros em torneios como o Maria Lenk, mas em campeonatos regionais cheguei a disputar até 1,5 mil metros (prova que no programa olímpico só existe para os homens).” Ainda hoje, a atleta de vez em quando disputa provas na piscina, quando elas não coincidem com nenhuma competição de maratona. Faz isso para ajudar o clube. “Não vou me cobrando 100% nem faço o polimento, é mais para melhorar a pontuação do clube”, explica.
O carinho com que Ana Marcela Cunha fala das piscinas tem a ver com a admiração por ídolos do passado. “Desde pequena, convivi com dois atletas de natação que tinham disputado campeonatos mundiais e Olimpíadas, que foram o Edvaldo Valério e a Nayara Ribeiro”, diz. “Essa convivência acabou me motivando a tentar ser igual a eles”, afirma a baiana, relembrando os tempos em que treinava no Clube Olímpico de Salvador, localizado nas dependências do antigo Estádio da Fonte Nova. Edvaldo, baiano, é o único nadador negro do Brasil a ter uma medalha em Jogos Olímpicos (Sydney-2000, no revezamento 4×100 metros livre). Segundo Ana Marcela, ele é referência para qualquer um que pratique esportes na Bahia. Já Nayara, natural de Vitória da Conquista, foi a primeira brasileira a chegar à final de um Campeonato Mundial de natação. “As regiões Norte e Nordeste do Brasil são um celeiro de atletas, mas ainda não têm muitos medalhistas olímpicos. Foi por eles que eu vi que queria fazer carreira na natação”, diz Ana Marcela.

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Nem mesmo a admiração pelos antigos ídolos da piscina fez Ana Marcela deixar de lado a paixão pela maratona aquática. A comissão técnica da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos logo percebeu o potencial da jovem baiana. Após aquele Sul-Americano pioneiro e vitorioso de 2005, a entidade convidou a atleta para integrar a delegação que disputou os Jogos Sul-Americanos de 2006, realizados em Buenos Aires. Resultado: ouro nos 5 km e 10 km. Salvador acabou ficando pequena demais para a jovem revelação da maratona aquática. A falta de estrutura recorrente do esporte brasileiro também contribuiu para isso. O Clube Olímpico, onde Ana Marcela treinava desde 2001, iria perder a única piscina de 50 metros que existia em Salvador, por causa da reforma da Fonte Nova para a Copa do Mundo. Foi então que veio a proposta que mudaria para sempre a vida da família Cunha. “Eu estava evoluindo bastante, mas não teria como treinar, por causa do fechamento da piscina”, diz a atleta. Então apareceu o convite da Unisanta, único clube que ofereceu a possibilidade de Ana Marcela se mudar com os pais. Nem poderia ser de outra forma: o jovem fenômeno nem tinha completado 15 anos.
A mudança de cidade, em 2007, marcou a grande virada na carreira de Ana Marcela, que passou a ser figura frequente nas convocações da CBDA, como no Campeonato Mundial Melbourne-2007, na Austrália, quando ficou em 26º lugar nos 10 km. Depois, também emplacou dois sextos lugares em etapas do circuito mundial de 10 km de maratona aquática, em Santos e em Portugal. A temporada ainda reservaria a primeira participação em Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, em que conquistou o sétimo lugar nos 10 km. Tudo encarado sem sustos. “Como eu tinha participado antes do Mundial, não senti o peso do Pan, sabia mais ou menos como seria o clima, foi bem tranquilo”, afirma. Muito diferentes foram os sentimentos quando entrou na Vila dos Atletas de Pequim, para disputar os Jogos Olímpicos de 2008, ano que marcaria a estreia da maratona aquática na competição. “Fiquei deslumbrada assim que cheguei”, diz. “Você encontra com os seus ídolos e fala: ‘Cara, estou no mesmo lugar que eles’. Foi a experiência mais significativa da minha vida.”

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Ana Marcela em águas abertas, seu ambiente natural. “Ela está acostumada a nadar com temperatura da água em 18 graus”, diz o treinador, Marcio Latuf. “Já as atletas europeias não costumam nadar em mar gelado”

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Todo esse deslumbramento – que incluiu uma foto ao lado de César Cielo, campeão dos 50 metros livre – não impediu Ana Marcela de fazer uma prova excelente e, com apenas 16 anos, terminar a primeira participação olímpica em quinto lugar, por muito pouco não faturando medalha. “Acho que eu era bem imatura, faltava experiência, faltava bagagem para ter um pouco mais de calma”, diz. Mesmo assim, esse é o melhor resultado da natação feminina em Olimpíadas, igualando Piedade Coutinho e Joanna Maranhão. São justamente a experiência e a força, responsáveis pelos excelentes resultados nas últimas temporadas, que aumentam a confiança de Ana Marcela Cunha para brilhar nos Jogos Olímpicos do Rio, sem dar bola para a pressão de competir em casa. “Isso é o que menos pega para mim”, afirma. “Na verdade, a gente só tem vantagens de competir em casa.”
Crédito

por Marcelo Laguna | Fotos Frederic Jean/Ag. IstoÉ


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