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As
férias do verão de 1994 tiveram um significado especial para o casal George e
Ana Patrícia Cunha. Além de curtir as belezas das praias próximas a Salvador,
eles acabaram descobrindo, mesmo a contragosto, a vocação da filha Ana Marcela,
então com pouco mais de 1 ano de idade. Para desespero dos pais, a bebê
insistia em romper as barreiras da pequena piscina plástica que a mãe colocara
perto do guarda-sol. Era óbvio que a criança queria engatinhar até o mar. Por
mais que fosse contida, fazia tudo de novo. Passados 22 anos, Ana Marcela Cunha
tem agora o caminho livre pela frente. Dona de impressionantes 16 pódios
consecutivos na maratona aquática, feito inédito na modalidade, Ana Marcela é a
maior candidata ao ouro em sua prova. E uma estrela em ascensão da natação
brasileira.
A
trajetória que começou com George e Ana Patrícia matriculando a filha em uma
escolinha de natação, quando a menina tinha 1 ano e 9 meses, tem tudo para
terminar de forma triunfante nas águas geladas de Copacabana, em agosto. Pela
primeira vez, a maratona aquática em Olimpíadas será disputada em mar aberto.
Os números reforçam o favoritismo de Ana Marcela. Além dos 16 pódios seguidos,
a atleta vem cumprindo um ciclo olímpico excepcional: cinco medalhas em
campeonatos mundiais (na distância olímpica de 10 km, foram uma prata em 2013 e
um bronze em 2015), além do título da Copa do Mundo de 10 km em 2014. Nessa
competição, chegou ao pódio em todas as etapas, algo jamais alcançado na
história do torneio. “Já me imaginei subindo ao pódio na Olimpíada, é claro”,
diz Ana Marcela, logo emendando uma ressalva. “Mas, depois de 2011, nunca mais
vou ficar pensando em uma coisa antes de ter conquistado.”
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Ela
pode se tornar a primeira nadadora brasileira a conquistar uma medalha Olímpica
A
atleta recorda um dos episódios mais traumáticos da carreira. No Mundial de
Xangai (China), em 2011, ela ficou em 11º lugar na prova dos 10 km, a somente
quatro segundos de distância da espanhola Erika Garcia, que terminou em 10º
lugar e ficou com a última vaga para a Olimpíada de Londres-2012. “Falo
bastante sobre isso com minha psicóloga, que tudo de ruim tem sempre uma coisa
boa para aprender”, diz. Para Ana Marcela, foi horrível não ter conquistado a
vaga olímpica, mas ela aprendeu que não precisava mais fazer tudo sempre igual.
“Encarei pelo lado bom, não entrei em depressão. Fui do inferno ao céu”, diz a
baiana, que se recuperou na mesma competição. Dois dias depois, participou da
prova dos 5 km e terminou em sétimo lugar. Ainda restava um desafio: a disputa
dos 25 km, inédita para ela. Vinte e quatro horas antes da prova, Tatiana Lemos
e Flavia Delaroli, nadadoras da seleção brasileira, perguntaram por que Ana
pretendia nadar aquela distância. “Eu disse que queria sentir a dor daqueles 25
quilômetros. E terminei sendo campeã mundial”, relata. “Foi lá que me
transformei de uma atleta de nível médio na competidora que sou hoje.”
A mistura
de emoções acabou tendo papel importante no amadurecimento de Ana Marcela
Cunha. Isso foi notado com especial atenção pelo treinador Marcio Latuf, com
quem a atleta voltou a trabalhar no final de 2015, quando foi recontratada pela
Unisanta (Santos), após duas temporadas no Sesi-SP. “Em 2011, ela não teve a
paciência necessária, mas hoje carrega mais dois anos e meio de experiência”,
diz. “Uma prova de maratona aquática não se define nas primeiras voltas, mas
sim nos últimos mil metros.” Para os atletas, significa que é preciso ter
estratégia bem definida, muita paciência e condição física impecável. Ana
Marcela trabalha com Latuf desde que chegou ao clube santista pela primeira
vez, em 2007, quando tinha somente 14 anos. Sob a orientação do técnico, conseguiu
uma inesperada classificação para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, com
apenas 16 anos. “Ela tem uma cabeça muito boa, adora treinar e já mostrava
grande evolução, mesmo sendo muito nova”, diz Latuf. Na maratona aquática, isso
é algo incomum, já que os atletas começam a brilhar a partir de 27 ou 28 anos.
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Cabelo
moicano, tatuagens pelo corpo, crucifixo no pescoço: a força também está no
visual
A força
mental de Ana Marcela Cunha pode ser uma das principais armas na busca por
medalha nos Jogos do Rio. É o que pensa Alexandre Pussieldi, técnico de natação
e atual comentarista do canal SporTV. “Ana Marcela é muito competitiva, muito
mesmo”, diz. Para ele, as condições em que deverão ocorrer as provas da
maratona aquática nos Jogos do Rio irão favorecer os atletas brasileiros
(também estão classificados Poliana Okimoto e Allan do Carmo). “Ela gosta de
águas agitadas, mar revolto. Ou seja, Copacabana vai ser perfeito.” Marcio
Latuf pensa da mesma maneira. “Ela está acostumada a nadar com temperatura da
água em 18 graus”, afirma. “Já as atletas europeias não costumam nadar em mar
gelado. Ela subirá ao pódio, tenho certeza disso.”
A
amigável relação com a água fez com que a baiana começasse a encarar as
competições no mar quando ainda era criança. Na Bahia, existe uma tradição,
mesmo na categoria mirim, de disputar provas em águas abertas. Ana Marcela
conta que, antes das competições dos adultos, sempre colocavam a garotada para
fazer provas pequenas, de 400 metros, 800 metros e 2 km no mar. “Sempre
participei dessas provas, foi uma coisa natural”, diz. Corriqueiro, mas não
livre de sustos. Certa vez, em uma competição de 2 km, George e Ana Patrícia
tiraram os olhos da filha por um instante. Foi o suficiente para ela sumir.
“Fiquei desesperada, ela só tinha 10 anos”, diz a mãe. “Só que a Ana estava lá
na frente, nadando tranquilamente.”
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O
talento precoce fez com que Ana Marcela Cunha chegasse cedo à seleção
brasileira de maratona aquática. No final de 2005, foi convocada para disputar
o Campeonato Sul-Americano e ganhou as provas de 5 km e 10 km. “Foi ali que vi
que era aquilo que eu queria fazer na vida”, diz a nadadora. Até então, ela
dividia o tempo também com as competições na piscina, em provas de longa
distância. “Eu nadava os 800 metros em torneios como o Maria Lenk, mas em
campeonatos regionais cheguei a disputar até 1,5 mil metros (prova que no
programa olímpico só existe para os homens).” Ainda hoje, a atleta de vez em quando
disputa provas na piscina, quando elas não coincidem com nenhuma competição de
maratona. Faz isso para ajudar o clube. “Não vou me cobrando 100% nem faço o
polimento, é mais para melhorar a pontuação do clube”, explica.
O
carinho com que Ana Marcela Cunha fala das piscinas tem a ver com a admiração
por ídolos do passado. “Desde pequena, convivi com dois atletas de natação que
tinham disputado campeonatos mundiais e Olimpíadas, que foram o Edvaldo Valério
e a Nayara Ribeiro”, diz. “Essa convivência acabou me motivando a tentar ser
igual a eles”, afirma a baiana, relembrando os tempos em que treinava no Clube
Olímpico de Salvador, localizado nas dependências do antigo Estádio da Fonte
Nova. Edvaldo, baiano, é o único nadador negro do Brasil a ter uma medalha em
Jogos Olímpicos (Sydney-2000, no revezamento 4×100 metros livre). Segundo Ana
Marcela, ele é referência para qualquer um que pratique esportes na Bahia. Já
Nayara, natural de Vitória da Conquista, foi a primeira brasileira a chegar à
final de um Campeonato Mundial de natação. “As regiões Norte e Nordeste do
Brasil são um celeiro de atletas, mas ainda não têm muitos medalhistas
olímpicos. Foi por eles que eu vi que queria fazer carreira na natação”, diz
Ana Marcela.
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Nem
mesmo a admiração pelos antigos ídolos da piscina fez Ana Marcela deixar de
lado a paixão pela maratona aquática. A comissão técnica da Confederação
Brasileira de Desportos Aquáticos logo percebeu o potencial da jovem baiana.
Após aquele Sul-Americano pioneiro e vitorioso de 2005, a entidade convidou a
atleta para integrar a delegação que disputou os Jogos Sul-Americanos de 2006,
realizados em Buenos Aires. Resultado: ouro nos 5 km e 10 km. Salvador acabou
ficando pequena demais para a jovem revelação da maratona aquática. A falta de
estrutura recorrente do esporte brasileiro também contribuiu para isso. O Clube
Olímpico, onde Ana Marcela treinava desde 2001, iria perder a única piscina de
50 metros que existia em Salvador, por causa da reforma da Fonte Nova para a
Copa do Mundo. Foi então que veio a proposta que mudaria para sempre a vida da
família Cunha. “Eu estava evoluindo bastante, mas não teria como treinar, por
causa do fechamento da piscina”, diz a atleta. Então apareceu o convite da
Unisanta, único clube que ofereceu a possibilidade de Ana Marcela se mudar com
os pais. Nem poderia ser de outra forma: o jovem fenômeno nem tinha completado
15 anos.
A
mudança de cidade, em 2007, marcou a grande virada na carreira de Ana Marcela,
que passou a ser figura frequente nas convocações da CBDA, como no Campeonato
Mundial Melbourne-2007, na Austrália, quando ficou em 26º lugar nos 10 km.
Depois, também emplacou dois sextos lugares em etapas do circuito mundial de 10
km de maratona aquática, em Santos e em Portugal. A temporada ainda reservaria
a primeira participação em Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, em que
conquistou o sétimo lugar nos 10 km. Tudo encarado sem sustos. “Como eu tinha
participado antes do Mundial, não senti o peso do Pan, sabia mais ou menos como
seria o clima, foi bem tranquilo”, afirma. Muito diferentes foram os
sentimentos quando entrou na Vila dos Atletas de Pequim, para disputar os Jogos
Olímpicos de 2008, ano que marcaria a estreia da maratona aquática na
competição. “Fiquei deslumbrada assim que cheguei”, diz. “Você encontra com os
seus ídolos e fala: ‘Cara, estou no mesmo lugar que eles’. Foi a experiência
mais significativa da minha vida.”
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Ana
Marcela em águas abertas, seu ambiente natural. “Ela está acostumada a nadar
com temperatura da água em 18 graus”, diz o treinador, Marcio Latuf. “Já as
atletas europeias não costumam nadar em mar gelado”
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Todo
esse deslumbramento – que incluiu uma foto ao lado de César Cielo, campeão dos
50 metros livre – não impediu Ana Marcela de fazer uma prova excelente e, com
apenas 16 anos, terminar a primeira participação olímpica em quinto lugar, por
muito pouco não faturando medalha. “Acho que eu era bem imatura, faltava
experiência, faltava bagagem para ter um pouco mais de calma”, diz. Mesmo
assim, esse é o melhor resultado da natação feminina em Olimpíadas, igualando
Piedade Coutinho e Joanna Maranhão. São justamente a experiência e a força,
responsáveis pelos excelentes resultados nas últimas temporadas, que aumentam a
confiança de Ana Marcela Cunha para brilhar nos Jogos Olímpicos do Rio, sem dar
bola para a pressão de competir em casa. “Isso é o que menos pega para mim”,
afirma. “Na verdade, a gente só tem vantagens de competir em casa.”
Crédito
por
Marcelo Laguna | Fotos Frederic Jean/Ag. IstoÉ
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