Sunday, January 31, 2016

O BALÉ AQUÁTICO PEDE PASSAGEM




Duda começa a falar. Luisa completa.

Duda deixa uma pergunta no ar. Luisa responde. “A gente já teve problema de lombar, joelho, ombro”, diz a primeira. “Descobrimos que até creme de depilação é doping. Não pode depilar com creme”, fala a segunda.
“Pois é, nós estamos sempre nos salvando”, completa a amiga. A sintonia entre Maria Eduarda Micucci e Luisa Borges é tão grande que elas falam o tempo todo assim, no plural. Não tem “eu”, apenas “a gente” e “nós”. Até no porte físico elas se parecem. Duda tem 19 anos e pesa 55 kg. Luisa tem 18 e pesa 53 kg. Ambas medem 1,67 m.

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Duda (à esq.) e Luisa formam uma dupla com “simbiose única”, segundo a treinadora Maura Xavier
Isso quer dizer que, além de tudo, elas também dividem roupas. E mais importante: dividem sonhos e uma rotina pesada de treinamento para alcançá-los. O maior deles? Fazer história no nado sincronizado brasileiro.
Duda e Luisa são a dupla que representará o Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, na categoria dueto. São ainda parte da equipe brasileira, que contará com mais seis atletas, além de uma reserva. Esses sete nomes ainda não estão escolhidos. No momento, 14 meninas treinam com a seleção brasileira na Escola Naval, no Rio, que serve de base para o nado sincronizado. Do grupo, apenas Duda e Luisa já estão garantidas. A técnica Maura Xavier explica o porquê. “A simbiose entre as duas é única”, diz. “Elas são extremamente sincronizadas, o que obviamente é um ponto fortíssimo dentro da água. E isso se fortalece por meio da amizade delas.”
A sintonia fora das piscinas faz com que uma tome conta da outra. Luisa não tem a tireoide desde os 12 anos, quando retirou a glândula cirurgicamente por causa da suspeita de um câncer – que não se confirmou. Por isso, precisa tomar hormônios todos os dias. Hoje, não esquece mais. Mas, por via das dúvidas, Duda sempre tem uma caixa do remédio da amiga na bolsa. No passado, isso foi fundamental. “A gente ia viajar, passar um mês fora, e eu esquecia o remédio em casa”, diz Luisa. “Quando percebia e ia entrar em desespero, a Duda me salvava. Ela sempre me salvou.” A amiga protesta, afirma que os “salvamentos” são mútuos. “Só não estou lembrando agora de um exemplo em que eu tenha livrado a cara da Duda”, diz Luisa, rindo largamente. As duas se olham e, mais uma vez, caem na gargalhada.
Estudante de jornalismo, Luisa é a engraçada da dupla. Duda, mais séria, acaba de trancar a faculdade de estatística para cursar engenharia. Na hora do treino, a concentração das duas é total – algo absolutamente necessário diante da imensa quantidade de trabalho até a estreia na Olimpíada de 2016. A técnica Maura Xavier detalha o que é preciso melhorar: “Hoje, nosso foco está voltado para o ganho de vigor e altura na execução dos movimentos na água”, explica. Para isso, além de uma equipe multidisciplinar sempre presente, as meninas têm, há pouco mais de um ano, a colaboração da técnica canadense Julie Souvé. Ela trabalha com Maura como consultora e é dona de oito medalhas olímpicas à frente da equipe do Canadá: duas pratas em Los Angeles-1984, dois ouros em Seul-1988, um ouro e uma prata em Barcelona-1992, uma prata em Atlanta-1996 e um bronze em Sydney-2000.

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No balé aquático do nado sincronizado, a beleza dos movimentos é tão importante quanto a precisão técnica
Com a chegada de Julie, conta Maura, houve uma transformação na filosofia de treinamento. Mudaram as coreografias, mudou o treinamento físico, mudou a dinâmica de correções de coreografias. “Todas essas novidades nos estimulam para esse trabalho com objetivo nas Olimpíadas”, afirma a treinadora. “Com esse novo formato de treino, espero evidenciar nas competições a nossa melhora e conseguir assim o reconhecimento da arbitragem.” A meta olímpica é, segundo a treinadora, ficar entre as seis primeiras equipes – são oito, no total. No dueto, o objetivo é chegar à final, feito não alcançado nas duas últimas edições dos Jogos. As meninas sonham ainda mais alto. O Brasil sempre brigou para ir à final, com os 12 principais duetos, e conseguiu duas vezes, ficando em 12º lugar (em Sydney-2000 e Atenas-2004). “Agora, a gente quer ficar em oitavo”, diz Luisa. Não seria suficiente para uma medalha, mas representaria um passo gigantesco, um resultado histórico para esse esporte praticamente desconhecido no País.
Para isso, as meninas treinam de segunda a sábado, das 6h45 às 14h. A rotina inclui musculação, exercícios de fortalecimento, fisioterapia, circuito, treino de fôlego, marcação – quando elas repassam a coreografia fora d’água, para aumentar a sintonia – e coreografia com peso no pé e na cintura, para dar mais velocidade e altura. Além disso, praticam a zala, ginástica de movimentos rápidos, que trabalha força e flexibilidade, trazida para a equipe pela técnica russa Tatiana Pokrovskaya, que foi consultora da seleção brasileira antes de Julie. Antes, explica Duda, o objetivo da dupla era ser magra. A especialista canadense trouxe outro conceito: pernas finas e braços fortes. “Porque perna fina fica esteticamente mais bonito fora d’água, para as coreografias”, diz a atleta. “E a gente precisa de braços fortes para segurar tudo com mais velocidade e altura.”. Duda ainda luta com a balança: quer perder 2 kg, para ficar como Luisa. Mas, como elas nunca estão satisfeitas, Luisa também quer afinar mais as pernas. Como? “Vai correr, vai com Deus! Corre que afina!”, brinca ela.
Luisa vem de uma família ligada às águas. O avô, Coaracy Nunes, é presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) desde 1988. A mãe foi atleta de nado sincronizado e o irmão, de polo aquático. “É bom porque minha família entende minha vida”, diz. Duda, por sua vez, é filha de militar. Passou a infância se mudando de base em base pelo Brasil. Descobriu o nado quando morou em João Pessoa (PB), por causa do clube perto de casa que ensinava o esporte. Agora, vê a irmã mais nova, Laura, de 14 anos, mostrar seu valor na seleção brasileira de base de nado sincronizado. Atletas do Fluminense, as duas se conheceram em 2009, treinando no clube, e desde então formam um dueto inseparável. “Nós temos os mesmos amigos, então saímos sempre juntas”, diz Luisa, que namora um estudante de direito.
A Paraíba, onde Duda descobriu o nado, está se tornando um polo do esporte. Este ano, o estado inaugura o parque aquático da Vila Olímpica Ronaldo Marinho, que recebeu investimento de R$ 30 milhões e onde haverá a primeira piscina só para nado sincronizado do País. No Rio de Janeiro, cidade que sediará os Jogos de 2016, pequenos passos têm sido dados. A vila olímpica de Vila Isabel – um dos 21 espaços mantidos pela prefeitura que oferecem atividades esportivas para a comunidade próxima – tem 35 crianças matriculadas na aula de nado sincronizado. É pouco, mas mostra uma tentativa de popularização de um esporte que cresceu lentamente nas duas últimas décadas.

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A supervisora de nado sincronizado da CBDA, Sônia Hercowitz, conta que, quando entrou na entidade, em 1996, havia 250 atletas praticando a modalidade em quatro estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte. “Eu tinha pesadelos”, afirma. “Dizia que um dia ia dormir e, quando acordasse, receberia a notícia: acabou, não tem mais nado”. Hoje, são 1.100 atletas em 17 estados – um belo salto, mas ainda pouco diante dos 7 mil praticantes do Canadá, sexta força mundial no esporte atualmente.
O ingresso de rapazes na modalidade talvez ajude a dar novo fôlego? Os Jogos de 2016 continuarão exclusivamente femininos no nado, mas podem muito bem ser os últimos nesse formato. Os ventos de mudança têm soprado a favor dos duetos mistos. Tanto que no 16º Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, que acontece entre 17 de julho e 2 de agosto deste ano em Kazan, na Rússia, o dueto misto já valerá medalhas. “Acho que será bonito, um pas de deux nas águas, balé clássico na piscina”, diz Sônia, que foi bailarina clássica e atleta de “balé aquático” (confira box). Hoje, ela é professora na única faculdade de educação física do País que oferece a matéria Nado Sincronizado: a UFRJ.
A modalidade recebe 25% do investimento da CBDA, cujo orçamento não é pequeno. Entre 2012 e 2014, por exemplo, a confederação arrecadou cerca de R$ 75 milhões, recursos vindos de convênios com o Ministério dos Esportes, da Lei de Incentivo ao Esporte, da Lei Agnelo Piva e, principalmente, do patrocínio dos Correios, responsável por R$ 46 milhões. A caminhada para 2016 tem, portanto, investimento financeiro e em pessoal qualificado, além de boas condições materiais. Tem também a aposta em duas meninas ainda muito jovens, que disputarão sua primeira Olimpíada, mas que têm um entendimento que muitos duetos formados por atletas veteranas não têm. No primeiro semestre do ano passado, Duda e Luisa tiveram que treinar separadas, por contingências da seleção. Foi uma experiência interessante, comentam. “Mas só quando estávamos juntas éramos realmente nós”, diz Luisa.
Crédito
por Flávia Ribeiro Fotos João Castellano/Ag.Istoé
28/01/2016



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