Duda
deixa uma pergunta no ar. Luisa responde. “A gente já teve problema de lombar,
joelho, ombro”, diz a primeira. “Descobrimos que até creme de depilação é
doping. Não pode depilar com creme”, fala a segunda.
“Pois
é, nós estamos sempre nos salvando”, completa a amiga. A sintonia entre Maria
Eduarda Micucci e Luisa Borges é tão grande que elas falam o tempo todo
assim, no plural. Não tem “eu”, apenas “a gente” e “nós”. Até no porte
físico elas se parecem. Duda tem 19 anos e pesa 55 kg. Luisa tem 18 e pesa 53
kg. Ambas medem 1,67 m.
FOTO 2
Duda (à
esq.) e Luisa formam uma dupla com “simbiose única”, segundo a treinadora Maura
Xavier
Isso
quer dizer que, além de tudo, elas também dividem roupas. E mais importante:
dividem sonhos e uma rotina pesada de treinamento para alcançá-los. O
maior deles? Fazer história no nado sincronizado brasileiro.
Duda e
Luisa são a dupla que representará o Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio
de Janeiro, na categoria dueto. São ainda parte da equipe brasileira, que
contará com mais seis atletas, além de uma reserva. Esses sete nomes ainda não
estão escolhidos. No momento, 14 meninas treinam com a seleção brasileira na
Escola Naval, no Rio, que serve de base para o nado sincronizado. Do grupo,
apenas Duda e Luisa já estão garantidas. A técnica Maura Xavier explica o porquê.
“A simbiose entre as duas é única”, diz. “Elas são extremamente sincronizadas,
o que obviamente é um ponto fortíssimo dentro da água. E isso se
fortalece por meio da amizade delas.”
A
sintonia fora das piscinas faz com que uma tome conta da outra. Luisa não tem a
tireoide desde os 12 anos, quando retirou a glândula cirurgicamente por causa
da suspeita de um câncer – que não se confirmou. Por isso, precisa tomar
hormônios todos os dias. Hoje, não esquece mais. Mas, por via das dúvidas, Duda
sempre tem uma caixa do remédio da amiga na bolsa. No passado, isso foi
fundamental. “A gente ia viajar, passar um mês fora, e eu esquecia o remédio em
casa”, diz Luisa. “Quando percebia e ia entrar em desespero, a Duda me salvava.
Ela sempre me salvou.” A amiga protesta, afirma que os “salvamentos” são
mútuos. “Só não estou lembrando agora de um exemplo em que eu tenha livrado a
cara da Duda”, diz Luisa, rindo largamente. As duas se olham e, mais uma vez,
caem na gargalhada.
Estudante
de jornalismo, Luisa é a engraçada da dupla. Duda, mais séria, acaba de trancar
a faculdade de estatística para cursar engenharia. Na hora do treino, a
concentração das duas é total – algo absolutamente necessário diante da imensa
quantidade de trabalho até a estreia na Olimpíada de 2016. A técnica Maura
Xavier detalha o que é preciso melhorar: “Hoje, nosso foco está voltado para o
ganho de vigor e altura na execução dos movimentos na água”, explica. Para
isso, além de uma equipe multidisciplinar sempre presente, as meninas têm, há
pouco mais de um ano, a colaboração da técnica canadense Julie Souvé. Ela
trabalha com Maura como consultora e é dona de oito medalhas olímpicas à frente
da equipe do Canadá: duas pratas em Los Angeles-1984, dois ouros em Seul-1988,
um ouro e uma prata em Barcelona-1992, uma prata em Atlanta-1996 e um bronze em
Sydney-2000.
FOTO 3
No balé
aquático do nado sincronizado, a beleza dos movimentos é tão importante quanto
a precisão técnica
Com a
chegada de Julie, conta Maura, houve uma transformação na filosofia de
treinamento. Mudaram as coreografias, mudou o treinamento físico, mudou a
dinâmica de correções de coreografias. “Todas essas novidades nos estimulam
para esse trabalho com objetivo nas Olimpíadas”, afirma a treinadora. “Com esse
novo formato de treino, espero evidenciar nas competições a nossa melhora e
conseguir assim o reconhecimento da arbitragem.” A meta olímpica é, segundo a
treinadora, ficar entre as seis primeiras equipes – são oito, no total. No
dueto, o objetivo é chegar à final, feito não alcançado nas duas últimas
edições dos Jogos. As meninas sonham ainda mais alto. O Brasil sempre brigou
para ir à final, com os 12 principais duetos, e conseguiu duas vezes, ficando
em 12º lugar (em Sydney-2000 e Atenas-2004). “Agora, a gente quer ficar em
oitavo”, diz Luisa. Não seria suficiente para uma medalha, mas representaria um
passo gigantesco, um resultado histórico para esse esporte praticamente
desconhecido no País.
Para
isso, as meninas treinam de segunda a sábado, das 6h45 às 14h. A rotina inclui
musculação, exercícios de fortalecimento, fisioterapia, circuito, treino de
fôlego, marcação – quando elas repassam a coreografia fora d’água, para
aumentar a sintonia – e coreografia com peso no pé e na cintura, para dar
mais velocidade e altura. Além disso, praticam a zala, ginástica de movimentos
rápidos, que trabalha força e flexibilidade, trazida para a equipe pela técnica
russa Tatiana Pokrovskaya, que foi consultora da seleção brasileira antes de
Julie. Antes, explica Duda, o objetivo da dupla era ser magra. A especialista
canadense trouxe outro conceito: pernas finas e braços fortes. “Porque perna
fina fica esteticamente mais bonito fora d’água, para as coreografias”, diz a
atleta. “E a gente precisa de braços fortes para segurar tudo com mais
velocidade e altura.”. Duda ainda luta com a balança: quer perder 2 kg, para
ficar como Luisa. Mas, como elas nunca estão satisfeitas, Luisa também quer
afinar mais as pernas. Como? “Vai correr, vai com Deus! Corre que afina!”,
brinca ela.
Luisa
vem de uma família ligada às águas. O avô, Coaracy Nunes, é presidente da
Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) desde 1988. A mãe foi
atleta de nado sincronizado e o irmão, de polo aquático. “É bom porque minha
família entende minha vida”, diz. Duda, por sua vez, é filha de militar. Passou
a infância se mudando de base em base pelo Brasil. Descobriu o nado quando
morou em João Pessoa (PB), por causa do clube perto de casa que ensinava o
esporte. Agora, vê a irmã mais nova, Laura, de 14 anos, mostrar seu valor na
seleção brasileira de base de nado sincronizado. Atletas do Fluminense, as duas
se conheceram em 2009, treinando no clube, e desde então formam um dueto
inseparável. “Nós temos os mesmos amigos, então saímos sempre juntas”, diz
Luisa, que namora um estudante de direito.
A
Paraíba, onde Duda descobriu o nado, está se tornando um polo do esporte. Este
ano, o estado inaugura o parque aquático da Vila Olímpica Ronaldo Marinho, que
recebeu investimento de R$ 30 milhões e onde haverá a primeira piscina só para
nado sincronizado do País. No Rio de Janeiro, cidade que sediará os Jogos de
2016, pequenos passos têm sido dados. A vila olímpica de Vila Isabel – um dos
21 espaços mantidos pela prefeitura que oferecem atividades esportivas para a
comunidade próxima – tem 35 crianças matriculadas na aula de nado sincronizado.
É pouco, mas mostra uma tentativa de popularização de um esporte que cresceu
lentamente nas duas últimas décadas.
FOTO 4
A
supervisora de nado sincronizado da CBDA, Sônia Hercowitz, conta que, quando
entrou na entidade, em 1996, havia 250 atletas praticando a modalidade em
quatro estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do
Norte. “Eu tinha pesadelos”, afirma. “Dizia que um dia ia dormir e, quando
acordasse, receberia a notícia: acabou, não tem mais nado”. Hoje, são 1.100
atletas em 17 estados – um belo salto, mas ainda pouco diante dos 7 mil
praticantes do Canadá, sexta força mundial no esporte atualmente.
O
ingresso de rapazes na modalidade talvez ajude a dar novo fôlego? Os Jogos de
2016 continuarão exclusivamente femininos no nado, mas podem muito bem ser os
últimos nesse formato. Os ventos de mudança têm soprado a favor dos duetos
mistos. Tanto que no 16º Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, que acontece
entre 17 de julho e 2 de agosto deste ano em Kazan, na Rússia, o dueto misto já
valerá medalhas. “Acho que será bonito, um pas de deux nas águas, balé clássico
na piscina”, diz Sônia, que foi bailarina clássica e atleta de “balé aquático”
(confira box). Hoje, ela é professora na única faculdade de educação física do
País que oferece a matéria Nado Sincronizado: a UFRJ.
A modalidade
recebe 25% do investimento da CBDA, cujo orçamento não é pequeno. Entre 2012 e
2014, por exemplo, a confederação arrecadou cerca de R$ 75 milhões, recursos
vindos de convênios com o Ministério dos Esportes, da Lei de Incentivo ao
Esporte, da Lei Agnelo Piva e, principalmente, do patrocínio dos Correios,
responsável por R$ 46 milhões. A caminhada para 2016 tem, portanto,
investimento financeiro e em pessoal qualificado, além de boas condições
materiais. Tem também a aposta em duas meninas ainda muito jovens, que
disputarão sua primeira Olimpíada, mas que têm um entendimento que muitos
duetos formados por atletas veteranas não têm. No primeiro semestre do ano
passado, Duda e Luisa tiveram que treinar separadas, por contingências da
seleção. Foi uma experiência interessante, comentam. “Mas só quando estávamos
juntas éramos realmente nós”, diz Luisa.
Crédito
por
Flávia Ribeiro Fotos João Castellano/Ag.Istoé
28/01/2016
O QUE ACONTECE DE NOTÍCIA NO MUNDO DOS ESPORTES AQUÁTICOS VOCÊ LÊ PRIMEIRO AQUI - BLOG FRANCISSWIM 320.000 VISUALIZAÇÕES / MÊS NA WEB
No comments:
Post a Comment