A
natação mudou minha vida sou mais esforçado, dedicado e seguro
Felipe
Penteado Putz, arquiteto, 38 anos, começou a nadar em águas abertas por
hobby e atravessou o famoso estreito entre a França e Inglaterra em 2016.
Desde
pequeno, sempre gostei de nadar. Fazia aulas de natação, mas nunca me
destaquei. A minha altura não ajudou muito, com 1,78m não era capaz de bater
adversários de 1,90m. A competitividade me desanimou e acabei abandonando o
esporte na adolescência, quando ainda morava no interior de São Paulo. Mudei-me
para a capital em 2001 para estudar e trabalhar. Alguns anos depois, voltei a
nadar para melhorar minha saúde, já que passava muito tempo sem fazer
atividades e ganhando peso.
Em
2009, um amigo me convidou para ir à praia e nadar no mar. Nadei nas águas de
Ilhabela, no litoral norte de SP, e me apaixonei. Pouco tempo depois, já estava
procurando provas, sempre por hobby, sem intenção de ganhar. Comecei com passos
pequenos, maratonas de 2 km, 3 km, 5 km até chegar à maior delas, que é a de 10
km (distância da maratona aquática olímpica). Assim que completei minha
primeira maratona, resolvi nadar a chamada 14 Bis, uma travessia que sai de
Bertioga e vai até Santos, com 24 km.
Logo
após completar a 14 Bis, conheci o nadador Igor de Souza, que atravessou o
Canal da Mancha em 1996 e 1997. Passei a namorar a possibilidade de nadar os 33
km entre a França e a Inglaterra. O trajeto, além de longo, é complexo devido à
gélida temperatura da água e às correntezas. Muitas pessoas morreram no Canal
da Mancha durante as tentativas de atravessá-lo, como a brasileira Renata
Agondi, em 1998. Ciente dos riscos, passei a fazer uma preparação intensiva.
Musculação e CrossFit pela manhã, e natação todos os dias à noite. Nos finais
de semana, seguia para represas ou para o mar. Passei ainda por psicólogos,
acupunturistas e fiz acompanhamento com nutricionistas. Nas travessias que
demandam 10 a 20 horas de nado, a chave está em conservar a mente sã.
Enfrentei
ainda a burocracia. Enviei documentos, resultados de provas anteriores, exames
médicos. Recebi o sinal positivo e voei para Londres em agosto do ano passado.
No porto de Dover, a cidade mais próxima da França, partimos em um barco que
zarpou no início da madrugada e parou próximo a uma praia. Então, recebi as
orientações da travessia: “Você pulará na água, nadará até a praia e quando
estiver pronto, levantará o braço”. Assim o fiz. Às três horas da manhã, ergui
o braço e uma forte buzina tocou; era o sinal que a prova tinha começado.
Estava nervoso, mas consciente de que a travessia mudaria minha vida, mesmo se
não conseguisse completa-la. Pedi ajuda às forças da natureza e à Iemanjá para
que o mar estivesse calmo. Mentalizei: “Estou preparado. Fiz tudo o que poderia
fazer. Minha parte está concluída. Agora, é ver o que dá”. Mergulhei naquelas
águas geladas e escuras, não conseguia enxergar nada. Meu nervosismo aumentou e
em cinco minutos meu corpo já teve reações à ansiedade. Aos poucos, me acalmei.
As braçadas encaixaram, o sol começou a nascer, e tudo melhorou.
Quando
já estava chegando à França, senti o peso e a dificuldade da prova. Os 33 km se
multiplicaram devido à forte correnteza que me puxava para as laterais. O
desespero era inevitável, afinal, era possível ver a praia francesa, mas não
conseguia chegar, as braçadas não eram suficientes. Manter-me concentrado se
tornou meu maior desafio. Quando ficamos nervosos, quase sempre tentamos forçar
e isso pode acarretar em uma hipotermia. E 13 horas e 52 minutos depois de
ouvir a buzina inicial, pisei na areia. Senti uma sensação de êxtase ao
finalmente perceber que havia terminado. Gravei um vídeo para a minha família,
que estava no Brasil. Fui para o hotel e dormi por 16 horas. Depois de acordar
com o corpo dolorido e ainda muito cansado, eu não conseguia me recordar das
coisas que havia feito logo após sair da água, como as mensagens ou fotografias
tiradas. Estava muito desgastado e desorientado.
Voltei
para o Brasil decidido a me superar. Agora me preparo para completar o trajeto
do Canal da Mancha ida e volta. Faço treinos de até onze horas na piscina e
amigos se revezam para ficarem comigo. Alguns nadam por horas, saem para comer
e depois voltam. Até meus clientes são grandes apoiadores. Sou arquiteto,
possuo uma construtora e lido com pessoas e serviços diariamente. Desde que
comecei a completar travessias, minha autoestima subiu. A natação mudou a minha
vida. Aos 38 anos, sou um homem mais esforçado, dedicado e seguro em diversos
aspectos.
Depoimento
colhido por Andressa Oliveira
Foto por Felipe Cotrim/VEJA.com
Foto por Felipe Cotrim/VEJA.com
Publicado por Francismar Siviero
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