Uma
Olimpíada sempre requer dos atletas adaptações de horário, seja pelo fuso, seja
pela escala de competições. Até aí, normal. Nos Jogos do Rio de Janeiro, porém,
a exigência recaiu sobre um grupo pouco acostumado a surpresas neste
departamento: o dos nadadores. Para atender a um pedido da NBC, a rede de TV
americana que detém os direitos de cobertura para os Estados Unidos e precisa
ficar de olho nos vários fusos horários do país, o Comitê Olímpico
Internacional (COI) marcou as finais da modalidade entre 22h e meia-noite.
Também há chance de, no dia anterior ou seguinte, o mesmo atleta estar de novo
na piscina à tarde, para as eliminatórias.
A
divulgação dos horários em 2014 foi motivo de chiadeira nas diversas
delegações, sem sucesso. Diante disso, o jeito foi criar mecanismos para
facilitar a natação tarde da noite. “Todos os atletas terão a mesma
dificuldade. Sairá em desvantagem quem não se preparar para as competições
noturnas”, diz Jorge Bichara, gerente geral de Performance Esportiva do Comitê
Olímpico Brasileiro, o COB.
Na
equipe brasileira, a estratégia foi atrasar o relógio biológico dos nadadores
em três horas. Eles estão acordando às 10h, almoçando às 15h e jantando às 23h.
A partir do anoitecer, usam óculos especiais que fazem tudo parecer mais claro,
e assim tapeiam o cérebro para que pareça mais cedo. Funciona, porque o
organismo humano se regula pela presença da luz: luminosidade aumenta a temperatura
do corpo, favorecendo a atividade; escuridão a reduz, sinalizando que é hora de
dormir.
Se
seguisse sua rotina normal, o corpo dos nadadores teria a temperatura em baixa
entre 21h e 22h da noite, atrapalhando seu rendimento quando mais precisam. O
resultado seria perda considerável de concentração e reflexo. Daí a necessidade
dos horários estendidos e dos óculos nesta semana de aclimatação e treinamento
da equipe em São Paulo – tudo para o organismo achar que ainda é dia claro e
tirar partido de todo o seu potencial nas provas decisivas.
“Teoricamente,
é possível treinar os atletas para estarem em seu melhor momento às 22h. Mas
não podemos contar com experiências passadas, simplesmente porque nunca foi
preciso”, diz Tiago Barbosa, professor de ciência do esporte da Universidade
Tecnológica de Nanyang, de Cingapura. Além de driblar o relógio biológico para
obter máximo desempenho, a preparação dos atletas para as provas noturnas
também cuidou de obter sua recuperação pós-prova no menor tempo possível dentro
das novas condições.
Para
isso, monitorou por dois anos, através de pulseiras medidoras de condições
físicas, as necessidades do organismo de cada nadador. Há os que precisam de
mais horas de sono. Há os que não vivem sem cochilos. “Há os curtos dormidores,
que com seis horas de sono estão bem dispostos, e os longo dormidores, que
precisam de doze horas. Eles serão separados em grupos na Vila dos Atletas,
para um não incomodar o outro com seus horários”, diz Marco Tulio de Mello,
especialista em distúrbios do sono e coordenador do programa de adaptação ao
horário das disputas.
A
adequação aos horários das provas exige que os atletas durmam assim que
voltarem para seus quartos, o que não será fácil. Eles estarão sob efeito da
agitação das entregas de medalha, entrevistas e testes antidoping e da alta
taxa de adrenalina e endorfina produzida pelo esforço. Um recurso que tem sido
usado é uma luva gelada que remove o calor da palma da mão e, fazendo o frio
circular pela corrente sanguínea, baixa também a temperatura do corpo todo,
dando sensação de relaxamento. Vale tudo na adaptação dos peixes brasileiros a
hábitos de morcego.
Fonte
REVISTA VEJA Por Cecília Ritto
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